O mito de Sísifo
Com variações, narram os
mitólogos gregos que a cidade de Corinto, quando em determinado período era
governada por Sísifo, apresentava-se árida e desprovida de fontes de recursos
para a própria manutenção. O rei mitológico, para a preservação da cidade e do
seu povo, mantinha um verdadeiro exército de assaltantes que atacavam os
viajantes imprevidentes, que se viam obrigados a passar pela região demandando
outras áreas. Graças à astúcia de que era constituído, estava sempre informado
das ocorrências locais e também das acontecidas no Olimpo. Tomou conhecimento,
graças aos seus espiões, de que o deus Asopo andava desesperado porque sua
filha Egina desaparecera sem deixar vestígio, e estava oferecendo fortuna e
fertilidade a quem desse informação que levasse à jovem raptada. Sísifo, mui
astuciosamente, conseguiu saber do paradeiro da moça e, buscando-lhe o pai,
prometeu dizer onde a mesma se encontrava, se ele cumprisse a promessa de
compensar aquele que o auxiliasse a encontrar Egina. Confirmando o que estabelecera,
Asopo soube que fora Zeus quem a raptara e a mantinha em cativeiro.
O pai angustiado procurou o
supremo deus e exigiu--lhe a entrega da filha. Sem poder negar-se à
solicitação, Zeusdevolveu-lha com a condição de saber quem o delatara, o que
Asopo informou sem rebuços. Tomando conhecimento do fato, Zeus enfureceu-se e
mandou a Morte buscar Sísifo. O astuto, que pensara haver solucionado o
problema-da sua terra e do seu povo, que passaram a ter águas em abundância,
com a sua atitude gerou um novo desafio, que era enfrentar a detestada
encerradora de destinos. Acreditando-se, no entanto, invencível na astúcia,
quando a Morte chegou, elogiou-a, informando que desejava homenageá-la com um
colar especial que havia reservado para aquele momento. No entanto, solicitava
o prazer de adorná-la, ele próprio. Envaidecida, a Morte aceitou o gesto do rei
e, quando este lhe pôs o adorno, reteve-a, porquanto se tratava de uma coleira
habilmente disfarçada em colar. A Morte ficou encarcerada e ele acreditou-se
livre de futuras injunções, assim vencendo Zeus. Outros deuses, no entanto,
como Saturno, soberano dos mares e dos infernos, e Mercúrio, responsável pela
guerra e pela morte, procuraram o supremo deus e levaram--lhe ásperas queixas.
Com o aprisionamento da Morte, os infernos estavam sem população nova e as
guerras foram interrompidas. Exigiam, dessa forma, que a mesma fosse libertada
e Sísifo viesse trazido a julgamento. Dessa vez, Zeus enviou Hermes, que não
teve dúvida em apresentar-se ao astucioso e impor-lhe a viagem postergada.
Colhido de surpresa, o deus-rei pediu licença para despedir-se da mulher e, ao
fazê-lo, sussurrou-lhe ao ouvido que, após a sua morte, não lhe deixassem
sepultar o cadáver, porque ele pretendia regressar. Assim, mui prazerosamente
seguiu Hermes à presença de Zeus, que havia reunido o Olimpo para o julgamento
do ambicioso. Na oportunidade, diante de todos, antes que lhe fosse aplicada a
sentença, Sísifo solicitou a Zeus que o deixasse retornar à Terra, porque o seu
corpo não houvera recebido as homenagens que são devidas aos reis,
particularmente àqueles de procedência mitológica. Ademais, como se podia
verificar, ele não se encontrava com o eidolon (corpo espiritual), exigindo,
dessa forma, um retorno à Terra.
O Soberano lhe concedeu a volta
ao mundo e, quando retomou o corpo, sem demora, evadiu-se de Corinto com a
mulher, a fim de fugir à fúria de Zeus. Certamente resolveu um novo desafio, no
entanto gerou um problema muito mais grave, que iria defrontar posteriormente.
Instado pelos demais deuses a respeito da punição que deveria ser aplicada no
fujão, respondeu-lhes o Soberano: — Mandarei agora um deus do qual ele não
fugirá para sempre. Trata-se do Tempo. E silenciou. Sísifo fugiu quanto pôde,
porém, à medida que o fazia, era tomado pela velhice, pelas enfermidades, até
que a Morte veio buscá-lo. Ao ser apresentado a Zeus, sem qualquer escusa,
ouviu a pena que lhe estava reservada, por haver tentado burlar as leis, fugir
à Justiça. Deveria conduzir uma pedra de grandes proporções montanha acima, até
colocá-la no acume. Para evitar diminuição de movimento no trabalho, quando lhe
adviesse o cansaço, foi destacada uma Erínia para fustigá-lo com um bidente. Ao
final desse esforço imenso, medido pelo espaço sem céu e pelo tempo sem
profundidade, o objetivo é atingido. Sísifo, então, vê a pedra desabar em
alguns instantes para esse mundo inferior de onde será preciso reerguê-la até
os cimos. E desce de novo para a planície. E até hoje, narram os mitólogos,
Sísifo tenta conseguir o intento. Isso porque, ao chegar próximo à parte
superior da montanha, a pedra escapa-lhe das mãos e volta ao piso, exigindo-lhe
repetir a façanha, sem êxito, indefinidamente.
É bem o testemunho de advertência
àqueles que estão sempre transferindo deveres e realidades, acreditando na
própria astúcia.
Supõem-se, todos quantos assim agem, que são muito espertos,
enquanto os demais são estúpidos ou ingênuos. "Em realidade, astúcia não
expressa inteligência, mas sim, instinto de preservação da vida e dos jogos de
interesses pessoais.”
Todo indivíduo enfrenta desafios para crescer. A própria
existência terrestre é um permanente convite ao esforço. A melhor solução para
enfrentar problemas é tentar resolvê-los nas suas fontes, evitando-se as
atitudes que os postergam, trazendo-os de volta mais complicados.
O que não é
feito hoje, amanhã estará, por certo, mais difícil de ser conseguido.
Quando se
resolve mal um problema, ele dá surgimento a outro, que lhe é resultado, ou
retorna mais desafiador. Por isso, somente as atitudes corretas, baseadas na
honradez e na lealdade, conseguem resolver em definitivo as dificuldades e as
ocorrências desagradáveis do percurso.
O indivíduo imaturo sempre adia
soluções, na ilusão de que amanhã as possibilidades serão melhores do que as de
hoje, fugindo ao enfrentamento com a consciência e o dever. Suas vitórias são
conseguidas através dos mecanismos da deslealdade, da conduta incorreta, que
lhes permitem sorrir da forma como ludibriam os demais. Em verdade, porém,
enganam-se a si mesmos, porque o compromisso retorna-lhes sempre para a
necessária regularização.
O amadurecimento psicológico propõe que cada
atividade tenha lugar no seu momento próprio, e cada desafio seja atendido no
instante correto, quando se apresente. A autocompaixão diante dos problemas e a
astúcia para fugir deles são mecanismos infantis que em nada os resolvem.
Problema solucionado significa patamar vencido e novo desafio de crescimento
adiante, porque é assim a constante da vida humana em seu sentido de evolução.
TEXTO RETIRADO DO LIVRO: Vida
desafios e soluções (Divaldo Franco/Joanna de Ângelis)
Cap 2
A cada pequeno passo vamos aos poucos vencendo os desafios que a vida nos propicia como oportunidade de evolução espiritual e maturidade psicológica. Gratidão a todos os que cruzam o nosso caminho e fazem parte desta evolução.
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