PAULO E ESTEVÃO



Breve notícia
Não são poucos os trabalhos que correm mundo, relativamente à tarefa gloriosa do Apóstolo dos gentios. É justo, pois, esperarmos a interrogativa:
— Por que mais um livro sobre Paulo de Tarso? Homenagem ao grande trabalhador do Evangelho ou informações mais detalhadas de sua vida?

Quanto à primeira hipótese, somos dos primeiros a reconhecer que o convertido de Damasco não necessita de nossas mesquinhas homenagens; e quanto à segunda, responderemos afirmativamente para atingir os fins a que nos propomos, transferindo ao papel humano, com os recursos possíveis, alguma coisa das tradições do Plano espiritual acerca dos trabalhos confiados ao grande amigo dos gentios.

Nosso escopo essencial não poderia ser apenas rememorar passagens sublimes dos tempos apostólicos, e sim apresentar, antes de tudo, a figura do cooperador fiel, na sua legítima feição de homem transformado por Jesus-Cristo e atento ao divino ministério. Esclarecemos, ainda, que não é nosso propósito levantar apenas uma biografia romanceada. O mundo está repleto dessas fichas educativas, com referência aos seus vultos mais notáveis. Nosso melhor e mais sincero desejo é recordar as lutas acerbas e os ásperos testemunhos de um coração extraordinário, que se levantou das lutas humanas para seguir os passos do Mestre, num esforço incessante.

As igrejas amornecidas da atualidade e os falsos desejos dos crentes, nos diversos setores do Cristianismo, justificam as nossas intenções.
Em toda parte, há tendências à ociosidade do espírito e manifestações de menor esforço. Muitos discípulos disputam as prerrogativas de Estado, enquanto outros, distanciados voluntariamente do trabalho justo, suplicam a proteção sobrenatural do Céu. Templos e devotos entregam-se, gostosamente, às situações acomodatícias, preferindo as dominações e regalos de ordem material.

Observando esse panorama sentimental é útil recordarmos a figura inesquecível do Apóstolo generoso.
Muitos comentaram a vida de Paulo; mas, quando não lhe atribuíram certos títulos de favor, gratuitos do Céu, apresentaram-no como um fanático de coração ressequido. Para uns, ele foi um santo por predestinação, a quem Jesus apareceu, numa operação mecânica da graça; para outros, foi um Espírito arbitrário, absorvente e ríspido, inclinado a combater os companheiros, com vaidade quase cruel.

Não nos deteremos nessa posição extremista.
Queremos recordar que Paulo recebeu a dádiva santa da visão gloriosa do Mestre, às portas de Damasco, mas não podemos esquecer a declaração de Jesus relativa ao sofrimento que o aguardava, por amor ao seu nome. 

Certo é que o inolvidável tecelão trazia o seu ministério divino; mas, quem estará no mundo sem um ministério de Deus? Muita gente dirá que desconhece a própria tarefa, que é insciente a tal respeito, mas nós poderemos responder que, além da ignorância, há desatenção e muito capricho pernicioso.  Os mais exigentes advertirão que Paulo recebeu um apelo direto; mas, na verdade, todos os homens menos rudes têm a sua convocação pessoal ao serviço do Cristo. As formas podem variar, mas a essência ao apelo é sempre a mesma. O convite ao ministério chega, às vezes, de maneira sutil, inesperadamente; a maioria; porém, resiste ao chamado generoso do Senhor.  Ora, Jesus não é um mestre de violências e se a figura de Paulo avulta muito mais aos nossos olhos, é que ele ouviu, negou-se a si mesmo, arrependeu-se, tomou a cruz e seguiu o Cristo até ao fim de suas tarefas materiais. Entre perseguições, enfermidades, apodos, zombarias, desilusões, deserções, pedradas, açoites e encarceramentos, Paulo de Tarso foi um homem intrépido e sincero, caminhando entre as sombras do mundo, ao encontro do Mestre que se fizera ouvir nas encruzilhadas da sua vida. Foi muito mais que um predestinado, foi um realizador que trabalhou diariamente para a luz.

O Mestre chama-o, da sua Esfera das claridades imortais. Paulo tateia na treva das experiências humanas e responde: — Senhor, que queres que eu faça?

Entre ele e Jesus havia um abismo, que o Apóstolo soube transpor em decênios de luta redentora e constante.
Demonstrá-lo, para o exame do quanto nos compete em trabalho próprio, a fim de ir ao encontro de Jesus, é o nosso objetivo.

Outra finalidade deste esforço humilde é reconhecer que o Apóstolo não poderia chegar a essa possibilidade, em ação isolada no mundo.
Sem Estêvão, não teríamos Paulo de Tarso. O grande mártir do Cristianismo nascente alcançou influência muito mais vasta na experiência paulina, do que poderíamos imaginar tão só pelos textos conhecidos nos estudos terrestres. A vida de ambos está entrelaçada com misteriosa beleza. A contribuição de Estêvão e de outras personagens desta história real vem confirmar a necessidade e a universalidade da lei de cooperação. E, para verificar a amplitude desse conceito, recordemos que Jesus, cuja misericórdia e poder abrangiam tudo, procurou a companhia de doze auxiliares, a fim de empreender a renovação do mundo.
Aliás, sem cooperação, não poderia existir amor; e o amor é a força de Deus, que equilibra o Universo.

Desde já, vejo os críticos consultando textos e combinando versículos para trazerem à tona os erros do nosso tentame singelo. Aos bem-intencionados agradecemos sinceramente, por conhecer a nossa expressão de criatura falível, declarando que este livro modesto foi grafado por um Espírito para os que vivam em espírito; e ao pedantismo dogmático, ou literário, de todos os tempos, recorremos ao próprio Evangelho para repetir que, se a letra mata, o espírito vivifica. 

Oferecendo, pois, este humilde trabalho aos nossos irmãos da Terra, formulamos votos para que o exemplo do Grande Convertido se faça mais claro em nossos corações, a fim de que cada discípulo possa entender quanto lhe compete trabalhar e sofrer, por amor a Jesus-Cristo.

Emmanuel
Pedro Leopoldo, 8 de julho de 1941.
Livro: Paulo e Estevão (45ª edição) pg. 7
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Emmanuel comenta o projeto do livro: Paulo e Estevão

16/03/1941

Os operários da edificação cristã

 

O trabalho é para a glória o que o arado é para o pão. Meus amigos, Deus vos conceda muita paz. Vedes agora como as vibrações estruturais construtivas atraem os operários da edificação cristã de todos os séculos. Quando os homens se reúnem e invocam os grandes pecados de calamidade, os crimes, os rebaixamentos humanos oferecem a oportunidade para que despertem nos seus caminhos os dragões do mal que jaziam adormecidos. Mas quando nos reunimos para as rememorações de feitos gloriosos do bem, os amigos de nossa redenção surgem inesperadamente para afirmar que estão conosco. A biografia de Paulo tem trazido muitas lembranças amáveis e preciosas de antigos companheiros de lutas. Se fosse registrar todos os pedidos de amigos do grande apóstolo, o livro custaria a chegar ao término. São negociantes de Colossos, proprietários de Laodiceia, antigos trabalhadores de Tessalônica, figuras de toda a Ásia, antigos filhos do cativeiro e do patriciado de Roma, que me trazem subsídios para iluminar o quadro em que viveu o inesquecível apóstolo. Mas a relação se torna impraticável, contudo, tudo o que eu puder trazer-vos de agradável não deixarei de o fazer. Deus vos conceda muita paz.
Vosso servo e irmão humilde,

Emmanuel

Curiosidades sobre a Psicografia do LIVRO "Paulo e Estêvão" - Chico Xavier

Em 1941, quando transmitia a Chico Xavier o livro PAULO E ESTEVÃO, narrando lances da história do Apóstolo dos Gentios, Emmanuel conta um detalhe curioso, diz que “a biografia de Paulo trouxe muitas lembranças amáveis e preciosas de antigos companheiros de lutas”, de modo que, “se fosse registrar todos os pedidos de amigos do grande apóstolo, o livro custaria a chegar ao término”.

Eram “negociantes de Colossos, proprietários de Laodiceia, antigos trabalhadores de Tessalônica, figuras de toda a Ásia, antigos filhos do cativeiro e do patriciado de Roma, trazendo subsídios para iluminar o quadro em que viveu o inesquecível Apóstolo, tornando impraticável o aproveitamento de todos”.

O livro "Paulo e Estêvão" me emocionou muito, diz Chico. Chorei quase que durante os 8 meses que Emmanuel levou para escrevê-lo por meu intermédio.

Quando terminamos, vi que um espírito, que também sempre estava presente, começou a desmontar uma espécie de painel, que, de certa forma, transformava aquele porão numa cabine que me isolava de todo o ambiente externo. E comecei a sentir saudades... Saudades dos personagens do livro, saudades daqueles meses maravilhosos, saudades de quando a narrativa de Emmanuel me transportava para aquela época...E pensei comigo mesmo de que maneira poderia manifestar a minha gratidão por ter concluído aquele trabalho que me havia feito tão bem ao coração.

Olhando para o piso do porão, percebi as pegadas luminescentes de Emmanuel e tive ímpetos de beijá-las...

Sentia minh'alma invadida por uma onda de amor e de fé!

Correndo os olhos por aquele quarto subterrâneo, notei um monte de areia grossa e, ao meu lado, o sapo que foi a minha única companhia do mundo durante todo aquele tempo. Levantei-me da cadeira e ajoelhei-me sobre a areia, rente ao sapo, que não se moveu, e comecei a orar agradecendo a Deus...

Agradeci por ter sido, na minha imperfeição, o médium daquela obra que seria tão importante em nosso meio doutrinário...

Fontes: "As revelações da revelação" e "A casa do Espiritismo"


SAULO DE TARSO – RESUMO BIOGRÁFICO

Não podemos deixar de identificar um planejamento transcendental que parece ter tudo previsto, colocado um no seu papel exato, no tempo preciso e no local predeterminado.

 Paulo se chamava também Saulo (At.13.9), nome hebraico derivado de "Saul", que significa "pedido", futuro Apóstolo dos Gentios, nasceu em Tarso, uma importante cidade localizada na Cilícia, na costa oriental do Mediterrâneo, a norte de Chipre, segundo a história oficial, ali por volta do ano 10 da nossa era. 

(Emmanuel informa que em Jerusalém, Paulo beirava os 30 anos de idade, nascera, portanto, ano 5 e não em 10)

Saulo era judeu por descendência e romano (At. 16.37)

Paulo era seu nome romano, derivado do latim “Paulus”, que significa “Pequeno”

Jerônimo escreveu que os antepassados de Paulo viviam na Galileia e depois migraram para Tarso. Eram, portanto, judeus da diáspora.

O livro “Atos de Paulo e Tecla” nos apresenta o apóstolo como um homem de “baixa estatura, que possuía cabelos ralo na cabeça, sobrancelhas ligadas e nariz convexo”.

Embora Tarso fosse ótima cidade, sua cultura e costumes eram estranhos ao judaísmo. Os pais de Saulo parecem ter se preocupado com a formação religiosa do filho. Por isso, Saulo foi morar em Jerusalém onde estava sua irmã e seu sobrinho e onde recebeu pelo menos parte de sua educação.  (At. 22.3) – Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade e aqui fui instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados, sendo zeloso para com Deus, assim como todos vós o sois no dia de hoje.

Tal mudança deve ser ocorrido por volta dos 13 anos de idade, quando todo judeu deveria se apresentar no templo judaico.

Tornou-se também um fariseu convicto e extremamente zeloso.

Todavia, parte de sua instrução foi o aprendizado da confecção de tendas, ofício que mais tarde lhe serviria como fonte de renda em algumas viagens.

 Paulo teria infalivelmente de ser um homem internacional e, ao mesmo tempo, profundamente judeu.  
Livro: As Marcas do Cristo (Hermínio C. Miranda)
Livro: A Vida de Paulo (Edson Poujeaux Gonçalves)


O MUNDO EM QUE NASCEU SAULO

Livro: As Marcas do Cristo (Hermínio C. Miranda)

Saulo, o futuro Apóstolo dos Gentios, nasceu na cidade de Tarso, na Cilicia, segundo a história oficial, ali por volta do ano 10 da nossa era. Emmanuel informa, em "Paulo e Estêvão" (1), que, no ano 35, já em Jerusalém, Paulo beirava os 30 anos de idade. Nascera, portanto, no ano 5, e não em 10. De qualquer maneira, era mais jovem que Jesus, mas não consta que o tenha conhecido pessoalmente. Provavelmente não, porque, ante a visão deslumbrante de Damasco, não reconhece a figura que se apresenta diante dos seus olhos atónitos, e pergunta-lhe quem é.

A Cilicia era um distrito da Ásia Menor, entre a Panfília e a Síria. O limite, ao norte, era o Monte Tauro. Estava dividida em duas províncias: a Cilicia Traquéa e Cilicia Pedias, a primeira muito montanhosa e agreste, e a segunda, embora também em parte coberta de rochedos, dispunha de algumas planícies férteis. Importante estrada cortava o país de este a oeste, passando pela cidade de Tarso. Na sua áspera descida do platô da Anatólia, rumo a Tarso, a estrada esgueirava-se pela estreita passagem Ciliciana, aberta na rocha. Nos tempos romanos, a Cilicia exportava grande quantidade de lã caprina, chamada cilícium, da qual se faziam tendas. Esse foi, aliás, o ofício de Saulo, de vez que era praxe entre os de sua raça, inclusive os mais ricos e ilustrados, aprender sempre um ofício manual.

Sob o domínio dos persas, a Cilicia foi provavelmente governada por reis nativos que pagavam tributo aos conquistadores. Em viagem por aquelas regiões, Xenofonte achou uma rainha no trono. Nem Ciro nem Alexandre, o Grande, encontrou resistência, quando por lá andaram ambos nas suas campanhas bélicas. Depois de Alexandre, o país caiu em poder dos selêucidas, que, na verdade, apenas controlavam metade da nação, dado que a Cilicia Traquéa ficou entregue à pirataria e à desordem política, até que Pompeu a conquistou para Roma.

A Cilicia Pedias tomou-se território romano no ano 103 antes do Cristo, mas o país somente foi regularmente ordenado em 64, sob Pompeu, convertendo-se em província romana, da qual Cícero foi governador.

Sua importância na história antiga foi considerável, não apenas pela excelente localização geográfica como pelas suas realizações. Possuía um bom porto e território fértil. Seus pontos de sustentação económica foram as suas duas importantes obras de engenharia: o porto e a passagem para o Norte, aberta no Monte Taurus assim, no entanto, até hoje Tarso é mais acessível pelo mar ou pelo oriente do que por outra qualquer via.

ESTRUTURA POLÍTICA

Livro: As Marcas do Cristo (Hermínio C. Miranda)

Paulo nasceu em pleno apogeu do imenso Império Romano, e o que era bom para Roma era bom para o resto do mundo. Para entender melhor a época, precisamos recuar ao período em que os césares ditavam leis para todos, em toda parte tinham soldados, e de toda gente recebiam tributos.

O assassinato de Júlio César, em março de 44 a. C, é considerado, por Will Durant, uma das tragédias máximas da História, não apenas porque interrompeu as suas tarefas de grande estadista, como pelas lutas que, por quinze anos, sacudiram o mundo, na disputa de poder supremo.

Com a sua dialética e sua capacidade de arregimentação, Cicero tentou restabelecer o governo republicano nos termos da antiga constituição. Assim, porém, não pensava Marco Antônio, que ambicionava substituir César. A guerra civil foi inevitável, tendo começado no princípio do ano 43 a. C. No outono, Antônio já ameaçava invadir a Itália, no comando de 17 legiões. No fim de outubro, porém, Marco Antônio e seu aliado Emílio Lépido uniam-se a um jovem de apenas 20 anos de idade, chamado Otaviano, que havia sido recentemente eleito cônsul, a despeito da oposição do Senado. Desse arranjo de políticos e guerreiros surgiu o Segundo Triunvirato, incumbido de reorganizar o Império.

Cedo, porém, começaria a luta entre os novos donos do poder; o trono que César deixara vago era grande demais para um e pequeno demais para três. De qualquer maneira, urgia consolidar a conquista, e a tarefa começou com o exílio inevitável daqueles que se opuseram aos governantes, Cicero à frente. Em seguida, era preciso liquidar os rebeldes que haviam tramado e executado o assassinato de César, e que andavam pelas províncias do Império extorquindo somas fabulosas para manter tropas, com as quais pretendiam a impunidade e o poder.

Em Rodes, Cássio tomou a cidade e exigiu a fortuna pessoal de todos. Matou os que resistiram e arrecadou uma soma que corresponderia, hoje, a mais de dez milhões de dólares, segundo estimativa de Durant. De Tarso, onde Paulo nasceria umas poucas décadas mais tarde, Cássio conseguiu arrebatar outro tanto. Conta Will Durant que, para levantar esse dinheiro, os cidadãos de Tarso tiveram de alienar as propriedades públicas, fundir os ornamentos dos templos e vender gente como escravo: primeiro, meninos e meninas; depois, mulheres e anciãos; finalmente, os jovens. Muitos se mataram. A lembrança dessas histórias deveria ainda circular na juventude de Paulo.

Na Judeia, Cássio levantou cerca de metade do que havia arrancado de Tarso, vendendo os habitantes de quatro cidades. Brutus também conseguia dinheiro assim, para as campanhas em que buscava salvar o pelo e, eventualmente, retomar a Roma coberto de glória.

A sangrenta extorsão terminou em 42, quando o triunvirato romano derrotou os dois conspiradores em Filipos, com um exército em que se combinavam as forças de Marco Antônio e as de Otaviano.

Logo, porém, estes também começaram a desentender-se. Para tentar um remendo na situação, Antônio casou-se com Otávia, irmã de seu parceiro no poder, e o mundo foi repartido em duas fatias e uma migalha: Otaviano ficou com a Itália e o Ocidente, a parte do leão; Marco Antônio, no Oriente, despenderia os seguintes doze anos de sua vida sonhando com a formação de um império cujo trono partilharia com Cleópatra, a grande fascinadora de reis e imperadores. Lépido teve de contentar-se com uma província na África.

A propósito, foi exatamente em Tarso que Marco Antônio e Cleópatra encontraram-se. O romano convocara a rainha do Egito para defender-se da acusação de ter ajudado Cássio a obter dinheiro e tropas. Ela veio quando achou que deveria vir. Tiepolo pintaria, muitos séculos mais tarde, algumas cenas desse encontro memorável, do qual Marco Antônio saiu apaixonado pela mulher que chamou para condenar.

Enquanto Antônio se deixava embalar nos braços da sua amada, pelos seus devaneios de um império mundial sediado no Oriente, Otaviano, em Roma, consolidava pacientemente sua posição. Em 37 a.C., Lépido foi banido da África para a Ásia. Sexto Pompeu, que tentou substituí-lo, foi derrotado no mesmo ano, e morreu em 35.

O mundo agora tinha só dois donos: Otaviano, em Roma, e Marco Antônio, no Oriente, unidos ainda pelo ténue laço de família, que Antônio partiu, divorciando-se de Otávia, no ano 32. Era o pretexto que faltava para a luta final. Um decreto do Senado considerou Antônio exonerado de suas funções de comando, e a guerra foi declarada a Cleópatra. Em 2 de setembro de 31, Otaviano venceu o rival em Actium. Antônio e Cleópatra suicidaram-se quando as tropas de Otaviano conquistaram Alexandria, em lº de agosto do ano 30, e as províncias orientais se submeteram, em 29.

Que poderiam fazer aquelas nações inermes, meros piões de xadrez no tabuleiro mundial, onde os grandes jogavam com os destinos dos homens?

A COMUNIDADE JUDAICA

Livro: As Marcas do Cristo (Hermínio C. Miranda)

Com a morte de Herodes, o Grande, no ano 4 antes do Cristo, seu reino foi dividido entre seus três filhos. Coube a Filipe a Batânia; a Herodes Antipas, a Pérsia, além do rio Jordão, e a Galileia, ao norte, onde ficavam, entre outras vilas, Tiberias e Nazaré; Arquelau ficou com Samarítis, a Iduméia e a Judeia, onde se incluíam grupamentos humanos que se inscreveram para sempre na História: Belém, Hebron, Berasheba, Gaza, Gadara, Emaús, Jope, Cesaréia, Jericó e a própria Jerusalém.

A população era mista. Algumas cidades eram sujeitas, predominantemente, à influência grega, outras à da Síria. Os gentios dominavam as cidades costeiras, exceto Jope e Jamnia, e a região da Decápolis — as dez cidades do Jordão. As vilas do interior eram quase totalmente judias.

É fácil, pois, entender as rivalidades ideológicas e os inúmeros e frequentes atritos, pelo desgosto profundo e às vezes intolerável que causava aos judeus ortodoxos a convivência com povos de outras raças e costumes numa terra que todos consideravam como sua por direito divino.) Não vai crítica nisso: é o mero reconhecimento de um fato, precisamos situá-lo na sua exata perspectiva e compreensivamente, em virtude do contexto daqueles tempos. A existência comunal judaica era totalmente dominada pelos preceitos religiosos, dentro de rígidos códigos de moral, de higiene e de hábitos alimentares escrupulosamente respeitados. As transgressões eram punidas com extremo rigor. Nessa atmosfera de fiel observância da lei mosaica, a imoralidade e o politeísmo dos vizinhos pagãos chocavam e desgostavam os judeus. Era natural que surgissem atritos, ditados pelo intransigente objetivo de preservar a qualquer preço a pureza doutrinária do Judaísmo.


Por outro lado, entre os próprios hebreus havia dissensões mais ou menos profundas. Os judeus da Judeia desprezavam os galíleus, enquanto estes criticavam aqueles pela escravidão às minúcias da lei. Divergências sérias persistiam entre judeus e samaritanos. Jesus certamente escandalizou seus ouvintes ortodoxos, ao colocar, na sua parábola, o samaritano caridoso, socorrendo um pobre homem na estrada, depois que os judeus piedosos o haviam abandonado. Os samaritanos, por sua vez, achavam que Javé habitava o monte Gerizin, na Samaria, e não o Sion. E, pecado imperdoável: rejeitavam as escrituras, exceto o Pentateuco.

Um sentimento unânime, porém, predominava em todas essas facções que se desprezavam mutuamente: o ódio ao opressor romano, que espezinhava suas tradições e lhes cobrava um alto preço em impostos, pela convivência mais ou menos pacífica. Viviam na Palestina, nos primeiros anos da nossa era, cerca de 2.500.000 habitantes, dos quais 100.000 em Jerusalém. A língua mais comum era o aramaico, enquanto os mais cultos — especialmente os sacerdotes e rabis — conheciam o hebraico. O veículo da comunicação oficial entre autoridades, estrangeiros e escritores era a forma popular do grego, chamada koiné.

A suprema autoridade da raça era o Sinédrio, que reunia no recinto do templo as figuras mais eminentes da época: sacerdotes e grandes doutores da lei. Até aí penetrou a influência grega, porque denominação que a História guardou do tribunal rabínico do grego Synedrion, que significa assembleia, senado. Eram 71 membros, e sua autoridade estendia-se sobre toda a comunidade judaica, e não apenas sobre a de Jerusalém. Sabemos que Saulo obteve permissão do Sinédrio para suas tarefas de perseguidor em Damasco. As reuniões eram presididas pelo Sumo-Sacerdote. O julgamento de Jesus teve de ser sancionado pelo Procurador romano porque o Sinédrio somente podia decretar a pena de morte para os crimes religiosos. Jesus foi acusado de crime político de subversão e executado como "rei dos judeus". A condenação do Cristo passou à História como um ato da justiça romana. Dirigentes religiosos fanáticos sempre se mancomunaram com políticos ambiciosos ou indiferentes para eliminar os indesejáveis. De qualquer maneira, o Sinédrio podia condenar aqueles que julgasse culpados de crimes de natureza religiosa, mas não podia executar a sentença sem a confirmação do poder civil. E isto também era outra forma de humilhação a que tinham que se submeter as autoridades judaicas da época.

Dois grupos disputavam o poder e a glória nos debates do Sinédrio: a facção conservadora, liderada pelos sacerdotes mais eminentes e apoiada pelos saduceus, e o grupo liberal, sob a influência dos fariseus e escribas.

As camadas mais altas do sacerdócio e da sociedade eram predominantemente compostas de saduceus, seita fundada por Sadoc. Em política, eram nacionalistas, e, em religião, ortodoxos. Lutavam pela rígida imposição da lei escrita, segundo o Torá, mas não olhavam com simpatia as inúmeras regrinhas da tradição oral, adicionadas posteriormente, nem as interpretações literais dos fariseus. É curioso que não acreditassem na sobrevivência do Espírito, e talvez por isso se dedicassem com entusiasmo à posse de bens terrenos.

Os fariseus consideravam-se mais puros, em vista do rigor com que observavam todas as prescrições da lei, interpretada nas mais extravagantes minúcias da tradição. Por isso, evitavam misturar-se aos saduceus que, por certo, consideravam impuros. A designação de fariseus foi-lhes dada pelos saduceus, e significa separatista, dado que não queriam mesclar-se com os outros.

Com a intenção de aplicar a lei em todo o seu rigor e preservar a pureza ritualística, acrescentaram uma infinidade de recomendações que a tradição oral guardava fielmente. As dúvidas eram resolvidas pelos sábios e eminentes rabis. Visavam com isso à preservação da raça, evitando que fosse assimilada por outros povos. E assim foi realmente, porque, com a destruição do templo, no ano 70 da nossa era, os sacerdotes perderam sua influência, os saduceus desapareceram, e foram os fariseus, com a sua rigorosa observância dos preceitos legais, que preservaram as tradições, os costumes e os ritos que mantiveram os judeus ligados a um ideal comum, onde quer que estivessem, através dos muitos séculos de provação que os esperavam. Os rabis desempenharam na conservação dessa tradição um papel histórico que não pode ser minimizado.

Além dos dois grupos dominantes, uma seita de menor influência destacou-se para viver uma existência monástica de pobreza e trabalho. Foram os essênios. Calcula-se que seu número não ia além de 4.000 na Palestina. Não apenas seus interesses, mas também os bens eram comuns a todos. Observavam com rigor os preceitos da lei escrita e da tradição oral. Vestiam-se de branco e praticaram formas bastante seguras de comunicação com os Espíritos, dos quais recebiam instruções.

Com a descoberta dos famosos manuscritos do Mar Morto, muito se especulou e se escreveu sobre a identificação da comunidade de Querem com os essênios. Alguns autores acham também que pelo menos João Batista teria sido um essênio, e até mesmo o próprio Jesus, mas não há a respeito informações que justifiquem tais suposições.

Quanto aos escribas, que Jesus frequentemente censura e critica, juntamente com fariseus e saduceus, integravam uma profissão e não uma seita religiosa. Eram homens instruídos na lei e que falavam nas sinagogas, ensinavam nas escolas e debatiam em público ou em particular os inúmeros pontos doutrinários, chegando mesmo a pronunciar julgamento em casos específicos que lhes eram submetidos a exame. Alguns eram sacerdotes, outros saduceus, mas a maioria era composta de fariseus. A partir de Hilel, o grande rabi que foi em parte contemporâneo do Cristo (70 a.C. — 10 d. C), os rabis passaram a desempenhar as tarefas atribuídas aos escribas.

Com Hilel, começa a época dos grandes mestres leigos de Israel. Hilel foi de origem babilónica e pertenceu à tribo de Davi. Com 40 anos foi estudar em Jerusalém, pois era hábito dos judeus bem-dotados, com inclinação pelos estudos, virem para a capital do Judaísmo sentarem-se aos pés dos grandes mestres, junto a melhor e mais pura fonte de conhecimento da lei. Saulo faria o mesmo, cerca de meio século depois, vindo buscar conhecimento em Gamaliel.

Hilel foi um grande rabi, famoso pela sua humildade, paciência e brandura. Foi quem estabeleceu os três princípios básicos para a vida humana: o amor ao próximo, a paz e o conhecimento da lei. Consta que quando alguém lhe pediu para explicar a lei durante o tempo em que uma pessoa pudesse ficar apoiada num só pé, Hilel respondeu:

O que é odioso para você não o faça aos outros.

Ensinava também que não devíamos julgar o nosso próximo antes de nos colocarmos em seu lugar. Considerava Herodes, o Grande, um mal necessário, e foi nomeado por ele Presidente do Sinédrio no ano 30 antes do Cristo, cargo que ocupou até à morte, ocorrida 40 anos depois, já na era cristã. Foi tão amada a sua figura que durante 400 anos o posto foi ocupado hereditariamente pela sua família.

Parece pouco explorado o fato de que Gamaliel, mestre do jovem Saulo, era filho do grande Hilel. Segundo a tradição, Gamaliel sucedeu a seu pai na presidência do Sinédrio, mas a Enciclopédia Britânica declara que essa informação não corresponde à realidade histórica. Sabem, porém, os historiadores que Gamaliel exercia considerável influência no tribunal judaico, além de ser considerado o melhor mestre da sua época. Na verdade, foi o primeiro doutor da lei que mereceu o título de Raboni (que significa mestre, professor). O autor dos Atos dos Apóstolos (cap. 5:34 e seg.) registra seu apelo ao Sinédrio em favor dos discípulos de Jesus. Veremos depois, no decorrer deste livro, até onde foi profunda e positiva sua influência na formação de Saulo, o doutor da lei, Ê uma figura da mais alta importância na vida do futuro Apóstolo dos Gentios. Na documentação histórica oficial existente, pouco se preservou acerca das ligações de Saulo e Gamaliel. Defendendo-se perante a tumultuosa multidão de judeus em Jerusalém, Paulo diz o seguinte:

 — Sou judeu, nascido em Tarso, da Cilicia, mas educado nesta cidade, instruído aos pés de Gamaliel na exata observância da lei de nossos pais; estava cheio de zelo por Deus como o estais vós outros no dia de hoje. (Atos, 22:3 e seg.)

Pouco se preservou dos ensinamentos de Gamaliel, mas o seu prestígio de Raboni imortalizou-se. Um texto no Mishná diz o seguinte: "Quando o Raboni Gamaliel, o Velho, morreu, cessou o respeito pelo Torá (o estudo da lei) e morreram a piedade e a pureza."

A DIÁSPORA

Livro: As Marcas do Cristo (Hermínio C. Miranda)

Enquanto os Césares se desmandavam na capital, em orgias de prazeres e de crimes, suportavam as províncias as suas dores na opressão. Espalhados pelo imenso Império, que abrangia quase todo o mundo conhecido de então, viviam cerca de 4 milhões de Judeus. Outro milhão distribuía-se em territórios não controlados pelos romanos. Havia, assim, menos judeus na Palestina do que no resto do mundo. Eram chamados judeus da Diáspora, os que viviam longe da pátria.

A palavra significa dispersão e teve sua origem na Septuaginta, a primeira tradução da Bíblia para o grego, feita em Alexandria por solicitação de Ptolomeu n (288-247 a. C). Os tradutores — aliás 72 e não 70 — foram enviados pelo Sumo-Sacerdote Eleazar, de Jerusalém para Alexandria. Historicamente, porém, o termo se aplica ao período do exílio do povo judeu na Babilónia, no século oitavo antes do Cristo.

Mais tarde, a comunidade judia teria oportunidade de restabelecer-se na Palestina, quando Ciro, ao tomar a Babilónia, permitiu aos judeus que retornassem à sua terra natal. Por essa altura, no entanto, a comunidade judaica se espalhara por todo o mundo, e em algumas cidades exercia considerável influência.

Em Alexandria, a população judaica representava 40% do total, mas, de modo geral, todas as grandes concentrações humanas daquele tempo contavam com certa percentagem de judeus. Embora sempre histórica e emocionalmente presos a Jerusalém, eles criaram centros de hegemonia em diferentes pontos do globo, ao correr das idades: primeiro na Babilónia, depois na Pérsia, na Arábia e, mais tarde, na Espanha, na França, na Alemanha, na Polónia, na Rússia e, mais recentemente ainda, nos Estados Unidos. Por isso, mesmo antes da destruição do segundo templo em Jerusalém, já os judeus da Diáspora eram mais numerosos do que os judeus que habitavam a Palestina.

Somente quando a nação judaica foi esmagada no ano 70 da nossa era, com a tomada de Jerusalém por Tito, a Palestina deixou de desempenhar seu papel central no Judaísmo. Antes disso e, portanto, no tempo de Jesus e de Paulo, Jerusalém era o ponto de convergência e ao mesmo tempo de irradiação entre os judeus da Palestina e os seus irmãos espalhados por toda parte.

Nas festas mais importantes do calendário religioso, verdadeiras multidões de judeus eram atraídas do mundo inteiro para a Cidade Sagrada. Baseado em texto de Flávio Josefo, Daniel-Rops estima que o afluxo chegava às vezes a 2 milhões e meio de peregrinos.

Essa gente trazia notícias de longes terras e de regresso aos seus lares levava o relato do que havia presenciado, para aqueles que não tiveram o privilégio de fazer a longa e penosa viagem.

A Diáspora é, pois, um fenômeno histórico de mais alta importância, tanto pelo que preservou da remota tradição judaica como pelo seu papel, muitas vezes involuntário, na divulgação das primeiras informações sobre o Cristianismo, na época oportuna.

Contexto:

No tempo de Paulo três povos contribuíram significativamente para a expansão do mundo de então, e em especial para a propagação do evangelho, a saber: os romanos, os gregos e os judeus.

O domínio romano:
Uma das grandes contribuições de Roma nos tempos bíblicos foi a Paz Romana.
As guerras entre as nações tornaram-se quase impossíveis sob a égide daquele poderoso império. Esta paz entre as nações favoreceu extraordinariamente a proclamação do evangelho entre os povos. Além disso, a administração romana tornou fácil e segura as viagens e comunicação entre as diferentes partes do mundo.
Seria praticamente impossível ao apóstolo Paulo, e a outros de seu tempo, espalhar o evangelho mundo afora, como o fizeram, sem essa liberdade e facilidade de trânsito possibilitado pelo império romano.

A Influência Grega:
Era típico do império romano não influenciar na cultura dos povos conquistados, por isso, no início da era cristã os povos que habitavam as regiões do Mediterrâneo já haviam sido profundamente influenciados pelo espírito do povo grego.
A influência dos gregos foi tão poderosa que o período do domínio romano foi corretamente denominado de greco-romano. Quer dizer, Roma governava politicamente, mas a mentalidade dos povos desse império tinha sido moldada fundamentalmente pelos gregos.  
Contudo, uma das maiores contribuições gregas para o advento do cristianismo foi a disseminação da língua em que o evangelho seria pregado ao mundo pela primeira vez. Os primeiros missionários, como, por exemplo, Paulo, fizeram quase todas as suas pregações nesta língua e nela foram escritos os livros que vieram a constituir o nosso Novo Testamento.

O Povo Judeu:
Os judeus preparam o “berço” do cristianismo, por assim dizer. Primeiramente porque anteciparam a vida religiosa em que foram instruídos os cristãos primitivos em geral e o apóstolo Paulo em particular.
Livro: A Vida de Paulo (Edson Poujeaux Gonçalves)


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