TOLSTOI ENCONTRA ZAQUEU
E,
tendo entrado em Jericó, atravessava Jesus a cidade. E vivia nela um homem
chamado Zaqueu, e era ele um dos principais entre os publicanos, e pessoa rica.
E procurava ver Jesus, para saber quem era, mas não o podia conseguir, por
causa da muita gente, porque era pequeno de estatura.
E
correndo adiante subiu a um sicômoro para o ver, porque por ali havia Ele de
passar. E quando Jesus chegou àquele lugar, levantando os olhos, ali o viu, e
lhe disse: “Zaqueu, desce depressa, porque importa que Eu fique hoje em tua
casa”. E desceu ele a toda pressa, e recebeu-o satisfeito. Vendo isso, todos
murmuravam, dizendo que tinha ido hospedar-se em casa de um homem pecador.
Entretanto, Zaqueu, posto na presença do Senhor, disse-lhe: “Senhor, eu estou
para dar aos pobres metade dos meus bens, e naquilo em que eu tiver defraudado alguém,
pagar-lhe-ei quadruplicado”. Ao que lhe disse Jesus: “Hoje entrou a salvação
nesta casa, porque este também é filho de Abraão. Porque o Filho do homem veio buscar
e salvar o que estava perdido”.
(Lucas,
19:1 a 10.)
Eu trouxera para a vida do Além o desejo
sincero de aprender a amar e servir o meu próximo. Creio mesmo que nos últimos
tempos de minha vida intuições protetoras, bondosamente alimentadas por amigos celestes,
que se compadeciam do meu pesar por não me haver sido possível ser tão
fraterno para com os outros, como o desejara, falavam-me de rumos novos que
deveria tomar, bem diversos daqueles que a sociedade viciosa do meu tempo me
apontara.
Carreguei para o túmulo esse pesar. E
esse pesar se acentuou aquém do túmulo e se transformou em aflição. Em vergonha
depois. E em remorso. Compreendi por isso que, além dos umbrais da morte, o
mérito que se nos permite é aquele que o amor confere. E eu, que desejara amar,
sem realmente ter amado; que fora rancoroso quando devera ser brando de
coração; que usara da impaciência e do desdém — quantas vezes?! — onde se
recomendariam a ternura e o interesse complacente, entendi que nada sabia, que nada
fizera de bom e que urgia reaprender tudo o que uma alma necessita para a
reabilitação de si mesma ante o próprio conceito.
Um dia (direi um dia para que os homens
me entendam, porque nestas plagas espirituais não se poderá expressar assim,
visto que se desconhecem os dias e as noites, para somente se integrar a mente
no eterno momento), um dia roguei, Àquele que é, a piedade de me proporcionar ensejos
de um aprendizado de legítimo amor ao próximo, mas um aprendizado que saciasse
a minha alma até as suas remotas fibras, fazendo desaparecer o complexo
da ideia do desamor em que me considerava ter vivido.
Pus-me a “passear” pelo Espaço
ilimitado, pensativo e compungido, e por vezes recordando meus antigos
passatempos pela floresta de Iasnaia-Poliana, ao passo que confabulava com a
própria consciência, estabelecendo resoluções definidas e programas urgentes.
Vi-me perdido em campo azul-pálido,
lucilante de uma aurora cujo resplendor matizava de doces coloridos a região
imensa. E acolá, sentado, meditativo, como a contemplar algo que eu era
impotente para também distinguir, entrevi um vulto atraente, cujo aspecto me
surpreendeu.
Dir-se-ia encontrar-me em presença de um
daqueles discípulos do Nazareno,
daqueles que, no anonimato, o seguiam em suas idas e vindas pelos contrafortes
da Judeia e as planícies de trigo da Galileia.
Reparando de mais perto, e mais
atentamente, compreendi que o vulto discursava para a pequena assembleia de
ouvintes sentados pelo chão, à sua volta, como de uso no Oriente, e como se concedesse
uma entrevista ou uma aula.
Em derredor, estendia-se um panorama oriental recordando
as descrições bíblicas.
Veio-me a impressão de que o tempo recuara dois
milênios, transportando-me, sem que eu o percebesse, à Galileia da época da peregrinação
do Senhor por suas paragens.
Aproximei-me de mansinho do grupo
entrevisto, discreto, algo curioso. E me considerei discípulo daquele provável
mestre, como os outros que o rodeavam.
E eis o que ouvi e presenciei:
— Retornaremos a qualquer momento para
nova experimentação terrena, mestre Zaqueu... Fala-nos de ti mesmo, dos tempos
apostólicos, das pregações do Nazareno expondo a sua Boa Nova, que
provavelmente ouviste... Seria
de muito bom proveito que levássemos
detidos nas comportas da consciência, algo estimulante, deslumbrador, desse
tempo... para que, uma vez nos sentindo novamente homens, pouco a pouco se
fossem destilando, pelos escapamentos da intuição, essas lições salvadoras que
sabes contar, à guisa de reminiscências levadas deste plano espiritual em que
nos encontramos... — rogaram sorrindo os discípulos, todos atraentes
personagens, muito agradáveis de ver.
Sobressaltei-me.
“Zaqueu?...” — pensei — “Mas seria
aquele que subiu ao sicômoro, quando o Senhor entrava em Jericó, para vê-lo passar?...
Seria aquele em cuja casa Jesus se hospedara? que oferecera ao Mestre um
festim, enquanto o reino de Deus fora mais uma vez ensinado aos de boa vontade,
entre os convivas?... Seria possível, mesmo, que eu me encontrasse em presença
de um Espírito que fora publicano ao tempo do Senhor, na Judeia; que viesse a conhecer alguém que, por
sua vez, houvera conhecido a Jesus Cristo?...”
Excitado, aproximei-me ainda mais.
Pus-me à sua frente, sentado como os outros, a olhar para ele.
Ao que observava, aquela sociedade
retratava uma democracia modelar, superior em moral e fraternidade mesmo à que
eu sonhara outrora para a Rússia e o mundo, nas horas de desesperança, quando observava
o mal perseguindo o bem, a força dominando o direito, a treva sobrepondo-se à
luz.
Eu chegava ali sem credenciais, sem apresentações.
Sentava-me entre todos, confiante, como
se compartilhasse benefícios da casa paterna entre irmãos.
Imiscuía-me para junto do mestre que discursava e ninguém me censurava a
impertinência, não me pediam satisfações pela intromissão.
Mais tarde eu soube
que, se tal acontecia, era devido a mera questão de afinidades. Somente o fato
de havermos todos gravitado para aquele plano valeria pela credencial, que outra
não era senão aquela mesma. Quem estivesse ali, estava porque poderia e deveria
estar. Mais nada. Eu estava ali. Devia estar.
No Além não existem dubiedades
nem meias medidas. O que é, é! E era por isso que ninguém me enxotava de junto
do mestre que discursava. Eu tinha direitos de estar junto daquele mestre. E
estava.
Olhei-o, àquele a quem haviam chamado
Zaqueu. Semblante sereno, bondoso, enternecido, ainda jovem. — eis a materialização do homem que
teria sido, há dois mil anos, aquele Espírito que assim mesmo se apresentava a
seus ouvintes do mundo espiritual, disposto a cativá-los por meio da “regressão
da memória” a essa personalidade remota que tivera sobre a Terra.
E foi com o coração excitado por todos
os raciocínios consequentes de tais lembranças que a ouvi atender à solicitação
dos discípulos:
— A bondade do Mestre galileu,
honrando-me com uma visita e uma refeição em minha casa, eu, um renegado pela
sociedade porque um publicano, tocou-me para sempre o coração, meus amados,
conforme sabeis... — ia ele dizendo. — Ele compreendeu as
minhas necessidades morais de estímulo para o bem, o meu aflitivo desejo de ser
bom. Penetrou, com sua solicitude inesquecível, os mais remotos escaninhos do
meu ser moral; contornou, com seu amor de arcanjo, todas as aspirações do meu Espírito,
filho de Deus, que sofria por algo sublime que lhe aclarasse as ações... E
conquistou-me assim, por toda a consumação dos séculos...
“Muito sofri e chorei quando esse Mestre
foi levantado no suplício da cruz.
Não, eu não o abandonei jamais, desde aquele
dia em que passou por Jericó!
Segui-o. E o pouco que ainda viveu depois disso
teve-me em suas pegadas para ouvi-lo e admirá-lo. Eu não me ocultei das
autoridades, receando censuras ou prisão, nem tive preconceitos, e tampouco me
importunou a vigilância dos tiranos de Roma ou o despeito dos asseclas do Templo
de Jerusalém.
Achava-me bem visível entre o povo, transitando pelas ruas,
embora ignorado, humilhado pela minha condição de funcionário romano... e
assisti aos estertores da agonia sublime, naquela tarde do 14 de Nisan...
Soube, é certo, da ressurreição que a todos revigorou de esperanças... Mas não
logrei tornar a ver e ouvir o Mestre, não fui bastante merecedor dessa ventura
imensa... Ele só se apresentou, depois da ressurreição, aos discípulos — homens
e mulheres — e aos Apóstolos...
Inconsolável por sua ausência e sentindo
em mim um vazio aterrador, meu recurso para não desesperar ante a saudade e o
pesar pelo desaparecimento desse Amigo incomparável foi insinuar-me entre seus discípulos,
a fim de ouvir falarem dele...
Fui a Betânia, quantas vezes?!... e
tentei tornar-me assíduo da granja de Lázaro, de tão gratas recordações... Mas
tudo ali estava tão mudado e tão triste, depois do 14 de Nisan...
“No entanto, ali, na granja de Lázaro,
sob o frescor das figueiras viçosas que Marta plantara; à luz do luar, junto
das oliveiras que farfalhavam docemente, ao impulso das virações que desciam do
Hermon; no próprio pátio onde rescendiam os lírios que Maria plantara, perdido entre
o anonimato dos forasteiros que acorriam a Betânia quando ali o sabiam
hospedado, eu ouvira pregações do Mestre pouco antes da sua morte, saciando-me
até a alegria e o deslumbramento com as palavras daquela doutrina que Ele
concedia ao povo, o qual ignorava que a dois passos se ergueria a cruz,
arrebatando-o da nossa vista...
Visitei Pedro, esperando consolar a
minha grande dor ouvindo-o dissertar sobre aquele que se fora do alto do
Calvário, com a eloquência com que sempre soube arrebatar as multidões.
Perlustrei, choroso e desarvorado, as praias
de Cafarnaum e de Genesaré, sem saber o que tentar em meu próprio socorro, mas
esperançado de que os irmãos Boanerges, filhos de Zebedeu, me compreendessem e
adotassem para discípulo do seu bando, como eu via que
acontecia a tantos outros...
Mas nenhum deles sequer prestava atenção
em minha insignificante pessoa...
Não me olhavam, não me viam, e eu temia
importuná-los dirigindo-lhes a palavra...
Eram tantos os pretendentes ao
aprendizado do amor, ao redor deles! Eles tinham tantas preocupações,
preparando-se chocados, para o heroico apostolado!...
E como eu era publicano,
um malvisto cobrador de impostos da alfândega romana, convenci-me,
erroneamente, de que era por isso que não me recebiam, não obstante saber que
entre os doze principais havia também um publicano, o qual fora diretamente
convidado pelo próprio Nazareno...
Recolhi-me então à minha mágoa imensa,
sem, todavia, deixar de seguir, discretamente, os Apóstolos, orando para que
não tardasse o socorro a vir fortalecer a fé e a esperança que eu depositava
naquele Reino de Deus que havia de vir, Reino cujas leis me fora dado entrever
do verbo e das ações do próprio Messias esperado pelos homens de Israel.
Recolhi-me, mas não desanimei.
Continuava percebendo que aquele amor
que, um dia, não se diminuíra em visitar minha casa, sentar-se à minha mesa e
repousar sob o meu teto, continuava incentivando-me, prolongando suas atenções
em torno dos meus passos.
No fim de pouco tempo, de tanto ouvir as pregações dos
seus Apóstolos e dos outros setenta — fosse pelas sinagogas, aos sábados, pela
praias e praças públicas ou pelos domicílios domésticos dos santos, então frequentados pelos outros santos — eu
aprendera os pormenores da doutrina já exposta pelo Senhor.
Por esse tempo, eu deixara Jericó,
desligara-me das funções aduaneiras, dera parte dos meus bens aos pobres,
conforme prometera a Jesus, provera, com
a outra parte, recursos para minha família, distribuíra minhas terras entre os
camponeses mais necessitados, reservando o estritamente necessário à minha
manutenção pelos primeiros tempos.
Fizera-me errante e vagabundo para acompanhar
os discípulos e ouvi-los contar às multidões as conversações íntimas que o
Senhor entretivera com eles, antes do Calvário e depois da gloriosa
ressurreição.
“Como eu conhecesse bem as letras e as
matemáticas, falando mesmo o grego, tão usado em Jerusalém, e também o latim,
igualmente usado graças à influência romana, à parte os nossos dialetos da
Síria, da Galileia e da Judeia, se me escasseavam recursos apresentava-me às escolas
mantidas pelas sinagogas.
Empregava-me ali como adjunto dos escribas, para as
lições aos jovens, ou então nas casas particulares ricas, como professor, e
assim ganhava meu sustento. Se não houvesse lições a transmitir era certo que
nunca faltariam madeiras a serrar, aqui ou ali; águas a carregar, a fim de
saciar a sede das famílias; paredes a reparar nas casas dos romanos, os quais,
se eram agressivos no trato pessoal com o povo hebreu, sabiam, no entanto,
remunerar com justiça aqueles que os serviam, desde que não se tratasse de
escravos.
“Um dia — foi em Jerusalém — correra a
nova sensacional de que certo jovem fariseu, responsável pelo apedrejamento e
morte do nosso querido Estevão, a quem o Espírito do Senhor inspirava com
tantas glórias, acabara por se converter à Causa, porque o Senhor lhe aparecera
em ressurreição triunfante, exatamente quando ele entrava na cidade de Damasco,
para onde se dirigia tencionando prender os nossos santos domiciliados naquela
localidade.
Aparecera-lhe o Senhor e convidara-o diretamente para o seu
ministério, como o fizera aos outros doze, antes de sua paixão e morte. E que,
agora, já inteiramente submisso aos desejos do Mestre Nazareno, com tremendas
responsabilidades pesando-lhe nos ombros, conferidas pelo mesmo Mestre, pela
primeira vez ia falar à assembleia dos discípulos, em Jerusalém, narrando o que
se passara.
Fui ouvi-lo.
Esse fariseu era Saulo (Saul), o de
Tarso, “que é também chamado Paulo”.
Juntou ele, à assembleia silenciosa e
atenta, o seu colóquio com o Nazareno, à entrada de Damasco, e logo conquistou
o coração de muitos que se achavam presentes. Foi de pé (alguns se ajoelharam)
que ouvimos os pormenores da aparição do Senhor a Paulo, e a conversa que
tivera com ele mesmo, Paulo, e a sequência dos acontecimentos que envolveram Ananias,
um dos nossos amados santos de Damasco.
Muitos choraram, eu inclusive, e também Paulo.
Se, no entanto, essa aparição fez a
redenção de Paulo, de certo modo contribuiu para minha definitiva estabilidade
na doutrina do Mestre, porque daquele dia em diante tudo se modificou em minha
vida.
Nunca mais deixei Paulo, até hoje!
Procurei-o então, em Jerusalém. Fui
recebido com afeto e bondade.
Fiz-lhe a minha confissão, o que não
tivera coragem de fazer aos demais discípulos.
Narrei lhe os meus sofrimentos
íntimos por Jesus. Quisera servi-lo, a Ele, Jesus. Sinceramente o queria! Mas
não sabia como iniciar nem o que fazer.
Pelo amor de Jesus, Paulo ouviu-me com
solicitude digna daquele mesmo Mestre que o admoestara em Damasco. E
aconselhou-me, e guiou-me!
Desse dia em diante, em vez de apenas
ouvir as pregações sobre a doutrina do Senhor e meditar sobre ela, pus-me a
trabalhar também, por amor do mesmo Mestre, sob orientação de Paulo, que, como
aquele, não desprezava publicanos.
Ele deu-me incumbências:
Não
te limites à adoração inativa, que poderá cristalizar-se em fanatismo. A
doutrina de Jesus é afanosa (trabalho intenso) por excelência... E Ele precisa
de servos trabalhadores, enérgicos, ágeis para mil e uma peripécias, de boa vontade
para a propagação da Verdade que nos trouxe...
Tu, que possuis noções da
prática da beneficência, porque já a havias mais ou menos praticado antes do
teu encontro com o Mestre, testemunha o teu amor por Ele, servindo também aos
teus irmãos que sofrem ou erram, pois tal é o segredo da boa prática da nova
doutrina.
Nenhum de nós será tão pobre que não possa favorecer o próximo com
algo que possua para distribuir: o pão, o lume, o agasalho, o bom conselho, a
advertência solidária, a assistência moral no infortúnio, o ensinamento do bem,
a lição ao ignorante, a visita ao enfermo, o consolo ao encarcerado, a
esperança ao triste, o trabalho ao necessitado de ganhar o próprio sustento
honrosamente, a proteção ao órfão, o seu próprio coração de amigo e irmão em Cristo,
a prece rogando aos Céus bênçãos que aclarem os caminhos dos peregrinos da
vida, o perdão àqueles que nos ferem e nos querem mal...
De tais conselhos fiz, então, o meu
lema.
Em vez de só ouvir falar do Mestre,
pus-me a falar, eu mesmo, dele e da sua doutrina, que teoricamente eu já
conhecia bastante; dos seus atos, das maravilhas que operara por entre os
doentes, os pecadores e os desgraçados, pois eu o conhecera, estava devidamente
informado a seu respeito.
E, se não curei leprosos, estanquei a aflição de
muitas lágrimas com exposições a respeito dele. Se não levantei paralíticos, pelo
menos ergui a coragem da fé em muitos corações desanimados ante a incúria pelas
coisas santas. Se não expulsei demônios, é certo que alijei o ateísmo,
recuperando almas para o dever com Deus. E se não ressuscitei mortos, renovei
esperanças na alma de muitas matronas desgostosas com a indiferença dos
próprios filhos na prática do bem, revigorei a decisão de muitos pecadores que
temiam procurar o bom caminho, porque envergonhados de se apresentarem a Deus,
pela oração, a fim de se renovarem para jornadas reabilitadoras.
E, assim, minha
alma se alegrava em Cristo, dilatavam-se os meus propósitos de progresso... E
eu sentia que, de dia para dia, quando orava, mais incidiam sobre mim forças e
novas bênçãos para mais me desdobrarem em operações objetivas, que tendiam a me
fazer comungar com a vontade daquele Unigênito dos Céus, que um dia penetrou os
umbrais pecaminosos de minha casa para me levar a salvação.
E encontrei, então, dentro de mim
próprio, aquele reino de Deus que Ele anunciara... Encontrei-o na paz do dever
cumprido, que me embalava o coração...”
Eu ouvia, embevecido, a empolgante
exposição daquele Zaqueu, cujo nome, no Evangelho, atraía as minhas simpatias,
mas a quem as referências são mínimas, no Livro Santo.
Mas acontecia que a
força mental do humilde discípulo do Nazareno distendera em torno um círculo de luz fulgurante, o qual nos envolveu a
todos, e nos levou a vibrar com ele, e nos dominou a vontade, submetendo nossas
vontades à vontade dele próprio, nosso pensamento ao seu pensamento, nosso
sentimento ao seu sentimento, nosso raciocínio ao seu raciocínio, tal se,
completamente mergulhados nas ondas das suas irradiações, ficássemos à sua
mercê para lhe obedecermos às sugestões.
Era a “faixa vibratória” dele mesmo, onda
transmissora do pensamento, capaz dos mais belos feitos psíquicos, que nos atingia
e dominava. Então, o mais edificante foi que o pensamento de Zaqueu e suas
recordações, revividas nos haustos de uma expansão solene, criaram novamente os
fatos passados e nos deram a presenciar com ele tudo quanto era narrado.
Seguimo-lo, assim, em suas idas e vindas atrás dos discípulos do Cristo.
Presenciamos suas silenciosas lágrimas, seus sofrimentos ante a dificuldade em
iniciar o ministério do bem, expandindo objetivamente o que já existia no
íntimo do seu coração.
Com ele vagamos chorosos, pelas praias
de Cafarnaum, recordando as prédicas sublimes que não mais se ouviam, mas às
quais os discípulos nunca deixavam de se referir durante as exposições da Boa
Nova para o povo... E, desse modo, quantas vezes com ele subimos o Calvário,
sob a nostalgia do crepúsculo, vendo-o chorar, sozinho e sofredor, a saudade daquele
que ali expirara para legar ao mundo o patrimônio do amor! E aprendemos com
ele, vendo-o agir, como se pratica o verdadeiro bem, como se estancam as
lágrimas da desgraça e se recupera o pecador para o dever, ocultamente,
silenciosamente, sem os alardes da vaidade nem os elogios da História, fiel a
um ministério santo, incansável, em torno das criaturas sofredoras, pelo
amor de Jesus Cristo...
Foi esse um dos mestres que encontrei
aquém do túmulo.
Seus ensinamentos, os exemplos de ternura em favor do próximo,
que me deu, revigoraram minhas forças. Sob seus conselhos amorosos orientei-me,
dispondo-me a realizações conciliadoras da consciência.
E se tu, meu amigo, desejas encontrar
aquele reino de Deus de que Jesus dá notícias, ama os desgraçados! Cada lágrima
que enxugares em seus olhos, cada conselho bom que dispensares ao pobre
desarvorado da vida é mais um passo que darás em direção a esse reino que,
finalmente, encontrarás dentro do teu próprio coração, que assim aprendeu o
cumprimento da suprema Lei:
Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como
a si mesmo...
Yvonne A. Pereira
RESSURREIÇÃO E VIDA
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